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1ª Bienal das Amazônias: "É a Amazônia falando por si, para os seus e para o mundo"

A primeira edição da Bienal das Amazônias foi inaugurada em 04 de agosto. O evento, que acontece até novembro deste ano em Belém do Pará, pretende focalizar a arte no Norte e Nordeste do Brasil e reunir artistas dos nove países da Pan-Amazônia, revelando sua importância por inúmeras razões, mas principalmente por sua localização.


O conceito da Pan-Amazônia surgiu em 1978 pelo Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e engloba os nove países que possuem o bioma em seu território, sendo eles: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, as Guianas, Peru, Suriname e Venezuela. No Brasil, especificamente, a Floresta se espalha pelos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e parte dos territórios do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins.


Segundo a pesquisadora Fernanda Mendonça Pitta, doutora em Artes Visuais e professora no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), na contemporaneidade, a arte não se preocupa mais em debater o que é belo ou feio, não é mais uma questão de ser "esteticamente agradável" ao público; há bastante espaço na cena artística brasileira para propor debates principalmente em torno das principais temáticas da Arte Contemporânea até o momento: Inteligência Artificial, arte decolonial e indígena, sustentabilidade e a proteção do meio ambiente.


Ainda que seja necessário trazer artistas emergentes para o centro cultural e econômico brasileiro – sejam artistas indígenas e/ou localizados em regiões consideradas periféricas – também é importante (talvez até mais), levar o centro econômico até as margens, levar o foco e a atenção para esse evento que acontece em 2023 pela primeira vez e que deve continuar acontecendo, perpetuando as práticas artísticas na própria periferia e, por quê não, tentando transformar essas periferias em novos centros culturais e econômicos. Talvez essa alternância de centros seja uma tendência, tendo em vista a tentativa insistente de tornar a pauta sustentável o foco das propostas mercadológicas, econômicas e governamentais há, pelo menos, 50 anos, com a Conferência de Estocolmo, organizada pela ONU em 1972, ou a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro. A COP-30, maior encontro internacional para o debate de políticas sustentáveis, acontecerá em 2025, também na capital paraense. “Se todos falavam da Amazônia, por que, então, não fazer a COP num estado da Amazônia, para que eles conheçam o que é? O que são os rios, as florestas, a fauna”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em maio deste ano.


No setor cultural, essa prática se mostra a mesma. Como uma conferência, uma bienal de arte é um evento internacional, que acontece de dois em dois anos, com o objetivo de expor produções artísticas de múltiplas linguagens (pinturas, esculturas, performances, fotografias, artesanatos, etc), sempre conectadas a uma temática proposta pela curadoria. São cerca de 80 brasileiros entre os quase 120 artistas selecionados pelo coletivo de curadoras formado pela educadora Sandra Benites, a artista e pesquisadora Flavya Mutran, a escritora Keyna Eleison e pela historiadora da arte Vânia Leal. "Com este conjunto [de artistas], a Bienal das Amazônias olha para uma Amazônia profunda, que tem a perspectiva de que não existe uma produção amazônica e sim um rizoma de multifacetadas individualidades", diz o grupo curatorial. A fotógrafa paraense Elza Lima é a artista homenageada, com quase 40 anos de carreira retratando o caboclo, o ribeirinha e a criança amazônida diante da natureza: "Sua busca incessante por capturar a essência da Amazônia e sua imaginação inigualável tornam sua obra uma verdadeira homenagem à região e sua gente".

Água Boa (2021), Elza Lima. (Imagem: Divulgação/@elzalima)



Grupo de curadoras da 1ª Bienal das Amazônias (Imagem: Divulgação/Walda Marques)


Carolin Overhoff Ferreira, pós-doutora pela ECA-USP e professora do curso de História da Arte na Unifesp, autora de Introdução brasileira à teoria, história e crítica das artes (2019), afirma: "[Vilém Flusser] propõe que grande parte do nosso planeta ainda vive de forma a-histórica", ou seja, passiva. "Há oito mil anos, certos povos lideram o destino do globo [...], descrevendo a assim chamada história. [...] Em outras palavras, o pensamento a-histórico de um povo está sobretudo relacionado à improbabilidade de possuir impacto como agente histórico. [O Brasil] somente encontraria o seu verdadeiro potencial quando deixasse de imitar as ideias progressistas e de dominação de países históricos".


Levando esse raciocínio para outra escala, em uma perspectiva dentro do Brasil, é de se pensar que a região Sudeste tenha mais poder de "liderar o destino" do país em comparação à região Norte ou Nordeste, devido à sua capacidade econômica. Em 2020, o PIB de São Paulo foi 11 vezes maior do que o PIB do Pará. Essa Bienal é uma tentativa ativa de tornar as narrativas de populações amazônidas – "a-históricas", em relação às narrativas das grandes capitais – em narrativas históricas e centrais, e não apenas no universo artístico-cultural, mas também para o mundo.


"O problema da arte é a questão do centro e da periferia. A descentralização é sempre muito bem-vinda, [...] o Brasil possui muitos Brasis em si. Conhecer essas histórias é muito importante, porque pouco sabemos sobre o que existe fora do eixo São Paulo-Rio" – Carolin Overhoff Ferreira

O título escolhido para a 1ª Bienal das Amazônias é Bubuia: Águas como Fonte de Imaginações e Desejos, inspirado na obra do poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro sobre o “dibubuísmo” amazônico. Ele explica: "Bubuiar é uma expressão que ouvi na minha infância em Abaetetuba, que é o ato de se deixar levar, boiando no rio, [...] sem que você precise gastar ou duplicar um trabalho. A natureza faz seu trabalho e você trabalha mentalmente. Eu parti dessa expressão [...] e criei o conceito de ser isto. O dibubuísmo é uma forma conceitual de expressar essa integração com a natureza e com a vida". A Bienal procura mostrar as muitas experiências sensíveis existentes entre as populações amazônidas e seu próprio território.


"Acho que [a Bienal das Amazônias] é um marco, no sentido de interligar a criação artística dessa pan-amazônia tão pouco estudada e tão pouco revelada" – João de Jesus Paes Loureiro

A exposição também traz referências aos grafismos e ao artesanato, práticas tradicionais e coletivas cultivadas ao longo do tempo pelos indígenas. Encontram-se algumas cerâmicas e esculturas feitas em madeira, que remetem à crescente valorização e reinserção da Arte Indígena na História da Arte, algo que vem sendo bastante discutido na Arte Contemporânea devido ao processo de ornamentação que esse tipo de arte sofre constantemente, ou seja, a obra de arte acaba sendo transformada em artefato.


Conheça alguns artistas brasileiros presentes na 1ª Bienal das Amazônias:


Antonieta Feio: Antonieta Santos Feio (1897-1980) foi uma pintora belenense de muita relevância para a História da Arte Brasileira. Voltada para o realismo mas com influências do modernismo, Antonieta retratou pessoas e cenas cotidianas do interior do Pará, revelando a verdadeira essência do Brasil.

Mendiga (1951), Antonieta Feio. (Imagem: Reprodução)



Carmézia Emiliano: A artista plástica indígena de origem macuxi revela em suas obras vibrantes e coloridas, feitas de tinta à óleo e acrílica, festas e mitos tradicionais de seu povo, além da fauna e flora de seu território. É considerada uma das maiores representantes da arte Naïf (popular) do Brasil. Além da Bienal, sua exposição mais recente, A árvore da vida, foi uma das principais na programação do MASP, no segundo trimestre de 2023.

Pescaria (2022), Carmézia Emiliano. (Imagem: Reprodução/Central Galeria)



Francisco da Silva: Francisco da Silva (1910-1985), ou Chico da Silva, foi um pintor do Acre, passando por diversas técnicas ao longo de sua carreira. Iniciou com desenhos feitos de carvão ou giz em muros e paredes de casebres de pescadores e, mais tarde, passou a experimentar diferentes tipos de tinta para pintar principalmente animais, fantásticos ou reais.

Sem título (1964), Chico da Silva. (Imagem: Reprodução/Catálogo das Artes)


Gabriel Bicho: O artista rondoniense trabalha em diversas linguagens: fotografia, poesia, audiovisual, técnicas híbridas de intervenções gráfico-digitais na fotografia, sempre atreladas à temáticas sociopolíticas e ambientais em relação às comunidades da região Norte. Gabriel Bicho também estará no SP-Arte Rotas Brasileiras, entre agosto e setembro de 2023.

Fotografia da série reintegração (2014), Gabriel Bicho. (Imagem: Divulgação/Gabriel Bicho)


Gê Viana: A artista do Maranhão representa, através de colagens manuais ou digitais, as relações entre sua realidade com a cultura colonizadora, criando uma espécie de denúnica ou forte crítica à imposição do colonialismo de maneira geral: nas artes, nas relações de trabalho, na comunicação e nas relações interpessoais.

Para estratégias de sobrevivência, as maiores tecnologias são as nossas (2020), da série Atualizações Traumáticas de Debret, Gê Viana. (Imagem: Reprodução/Galeria Superfície)


Miguel Penha: Com pinturas realistas e quase imersivas, o artista do Mato Grosso é filho de um indígena boliviano Xiquitano, por isso cresceu em contato com a natureza, onde caçava, pescava e tomava banho de rio. Se afastou do Cerrado aos 9 anos e apenas retornou aos 23, quando, influenciado pela beleza, pela pureza e força da natureza, começou a se dedicar em representá-las através da pintura, que hoje ele mesmo chama de novo naturalismo.

Nascente do buriti (2016), Miguel Penha. (Imagem: Divulgação/Miguel Penha)




Pablo Mufarrej: Artista e professor nascido no Pará. Seus trabalhos envolvem diversas técnicas, entre elas, gravuras, pinturas e instalações. Realizou a série Eu, o Horizonte e Minha Caverna – 4º Movimento com tinta a óleo e acrílica, em que representou sua "Livre interpretação para o nascimento de Ilhas":

Livre interpretação para o nascimento de Ilhas (ou) sobre as forças de ORIgem (2022-2023), Pablo Mufarrej. (Imagem: Divulgação/@pablomufarrej)


Pituko Waiãpi: Sobrevivente da tradição indígena do infanticídio, o artista Pituko Waiãpi (1977-2015), que teve paralisia infantil, poderia ter sido morto pelos próprios pais com poucos dias de idade, mas a Funai interferiu. Pituko passou a se dedicar à arte e homenageou sua etnia e a Amazônia através de pinturas feitas com a própria boca.

Tabocal (2010), Pituko Waiãpi. (Imagem: Reprodução/SESC Piracicaba)



Rafa Bqueer: Artista visual multimídia paraense. Sendo habitante de um corpo preto não binário, segundo ela sua condição de existência depende do questionamento constante das normas sociais. Foi o carnaval que a inspirou a estudar artes visuais e iniciar os projetos de performance e fotoperformance que realiza em vários Estados do Brasil.

Pintura Neon (2020), Rafa Bqueer. (Imagem: Divulgação/Shai Andrade)


Ramon Reis: Antropólogo, artista visual e educador de Salinópolis, no Pará, onde gravou seu projeto de videoperformance Viriandeua-Virianduba (2023). Dividido em dois atos, em que no primeiro o artista se encontra em um manguezal e, no segundo, na beira da água, o projeto que, segundo ele, é um convite à escuta, explora, a partir do sensorial, o sentimento de pertencimento à cidade natal.

Still de Viriandeua-Virianduba: Ato I (2023), Ramon Reis. (Imagem: Reprodução/Pivô)


Roberta Carvalho: Artista visual multimídia amazônida. Desenvolve trabalhos envolvendo linguagens visuais e tecnológicas, transitando entre suportes como vídeo, intervenção urbana, projeções, realidades mistas, instalação e projetos interativos.


Série Symbiosis (2007-), Roberta Carvalho. (Imagem: Divulgação/Roberta Carvalho)



Sãnipã: Nascida no município de Lábrea, nas margens do Rio Purus, no Estado do Amazonas, Sanipã usava o nome social Maria Antônia Souza Silva até ter contato com as artes plásticas, em 2003. Em 2005, se formou no curso de pintura, em Manaus. Em 2020, foi a primeira artista indígena a ter obra adquirida pelo Acervo Sesc de Arte Brasileira, do Sesc São Paulo.

Cobra Coral (2008), Sanipã. (Imagem: Reprodução/Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura da Amazônia)


Thiago Martins de Melo: Nascido em São Luís, capital do Maranhão, Thiago Martins de Melo é artista visual já reconhecido internacionalmente, tendo participado de exposições em diversos países e suas obras expostas em galerias no Brasil e no México. Trabalha com pintura, escultura, instalação e animação. Suas obras são sempre repletas de detalhes, personagens e sobreposições de cores e texturas que narram batalhas, rituais e epifanias atreladas à cultura e sociopolítica brasileira, aproximando-se do gênero da pintura histórica e da colagem.

O Ninguém usa o God Helmet e cega Polifemo sob o auxílio de Iemanjá (2012), Thiago Martins de Melo. (Imagem: Reprodução/Mendes Wood DM São Paulo)


Uýra Sodoma: Emerson nasceu no Pará e hoje mora em Manaus. É uma artista, bióloga e educadora indígena que trabalha principalmente a performance e a fotoperformance através de Uýra ("A árvore que anda"), explorando histórias tradicionais e ancestrais sobre a natureza, os animais e realidades não-hegemônicas invisibilizadas

Espíritos de Tudo Que Vive (2019), Uýra Sodoma. (Imagem: Divulgação/Selma Maia)


Véronique Isabelle e Débora Flor: Véronique Isabelle é artista visual e antropóloga, trabalha com produção de documentários audiovisuais etnográficos. Com a fotógrafa Débora Flor, realizou o projeto de pesquisa Uma Canoa em Jamaci (2016), em que acompanham e captam a metodologia e o processo de construção de uma embarcação de madeira tradicional.

Uma Canoa em Jamaci (2016), Véronique Isabelle e Débora Flor. (Vídeo: Reprodução/Véronique Isabelle)

Uma contribuição imensa da 1ª Bienal das Amazônias, segundo o poeta paraense, é "revelar uma atualidade da criação artística pan-amazônica de modo expressivo, como um painel, de grande dinamismo de modos de fazer arte; mas todas tendo como unidade essa forma bubuiante, da relação entre o trabalho da criação e o trabalho da imaginação".


"Com um grito das Amazônias para o mundo, aqui tem formulações, aqui tem incômodos, tem dores, mas também tem uma flecha que indica o caminho do futuro [...] É um espaço de resistência" – Úrsula Vidal, Secretária de Cultura do Pará

É imprescindível que se leve em consideração aquela coisa básica do fazer artístico, principalmente quando se trata de políticas públicas, sociais e culturais: a experiência. As possíveis sensibilidades existentes entre o homem amazônida e seu território devem ser representadas e expressadas por ele próprio, que vive essa realidade. E ainda que seja importante o envolvimento de artistas nas grandes capitais (como muitos já fazem), o fato da Bienal das Amazônias ser realizada em um local familiar a esses artistas torna a exposição muito mais interessante e significativa, porque traz a esperança de uma transformação: tornar periferias culturais em seus próprios centros econômicos.


Serviço 1ª Bienal das Amazônias

Rua Senador Manoel Barata, 400 – Belém, Pará 04 de agosto a 05 de novembro

De terça à sexta, das 9h30 às 19h; aos sábados, de 11h às 20h; aos domingos de 11h às 18h Aberto ao público, retire o ingresso aqui

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