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Como a chegada do coronavírus afetou a maneira de divulgar e interagir com a arte

Iniciativas artísticas criadas durante o isolamento social mostram que a tecnologia é um fator decisivo para a ressignificação de instituições culturais.

O que é, exatamente, um museu? Querendo ou não, a arte acaba tendo muitos significados. Ela pode servir como uma terapia, uma ferramenta de expressão, sendo a fuga ou a representação de uma realidade. Pode ser feita em forma de entretenimento e distração. Pode também ser vista como uma maneira de comunicação entre indivíduos. Mas o museu, até onde eu sei, possui apenas uma função: exibir obras de arte, dando acesso à cultura para todos que o frequentam.


E agora, durante o período de isolamento social, vemos como o contato com a arte é presente no dia a dia, com filmes, com música, em poemas, fotografias e, acima de tudo, ela tem se mostrado um importante mecanismo de fuga da intensa realidade em que estamos vivendo. Mas e os museus? Como fica o mundo da “arte física” quando é impossível o deslocamento até esses locais?


E mais: como serão os museus do futuro, e principalmente, os museus sobre a quarentena? O ex-curador do Museu de Arte Moderna (MAM), Felipe Chaimovich, 52, diz que “Os museus constroem representações sobre a sociedade por meio da reunião de objetos”. Pois então, o que eles irão mostrar? Será que esses tais objetos serão máscaras e tubos de álcool em gel?


O fato é que já existe esse museu e ele foi criado durante o isolamento social. Sem a possibilidade (e necessidade) de criar um local físico, Luiza Adas, 23, teve a brilhante ideia de começar um museu online. O Museu do Isolamento Brasileiro é o primeiro museu do Brasil que visa expor produções artísticas mesmo durante o período de quarentena. A ideia foi um sucesso: apenas quatro dias após sua criação, no final do mês de abril, a página do Museu do Isolamento no Instagram já possuía 3 mil seguidores e, hoje, possui aproximadamente 100 mil. Seu conteúdo é diverso, pode variar de fotografias à pinturas, bordados, desenhos, colagens e textos produzidos durante a pandemia. O museu conta com diferentes artistas brasileiros que divulgam nas redes sociais sua arte inspirada no isolamento social.





Portanto, além de divulgar artistas independentes, a iniciativa também possui uma importante função social, que é garantir o acesso à arte para a população: “Criei o Museu pois queria continuar oferecendo a possibilidade do público ter acesso à arte e às exposições mesmo sem sair de casa. É uma maneira de trazer o museu a você, já que você não pode ir até ele”, diz Luiza.


Quem também cumpre esse objetivo é Maria Fernanda Lassalvia, 41, com o projeto Olá Museu, que, além de proporcionar oficinas de artes plásticas em escolas, também leva crianças em situação de vulnerabilidade para conhecer museus de São Paulo. Aproximadamente 800 crianças já foram impactadas pelo projeto, que conta com mais de 40 voluntários.


Porém, com o isolamento social, que começou no mês de março no Brasil, o projeto passou a ser online. Atividades artísticas são proporcionadas aos alunos semanalmente pelas redes sociais do Olá Museu. O mesmo tem acontecido com alguns museus de São Paulo. O MASP, que já tinha exposições pré-programadas até 2025, teve que fechar as portas e iniciar o movimento #maspemcasa, postando nas redes sobre a curadoria do museu, curiosidades sobre alguns artistas e proporcionando desafios artísticos aos seguidores.


O MAM também entrou na onda do museu virtual com a hashtag #mamonline, oferecendo cursos EAD de Filosofia e Arte Contemporânea com a crítica de arte Magnólia Costa, e Arte e Mitologia com o professor e doutor Felipe Martinez. Além disso, lives, dicas de leitura e podcasts sobre arte são disponibilizados frequentemente no Instagram do museu.


Já o Instituto Tomie Ohtake convida, semanalmente, artistas para dar depoimentos sobre o isolamento em seu projeto #juntosdistantes. Além de falar também de arte em suas redes sociais, o instituto oferece cursos online de Colagem, Filosofia, História da Arte ou Pintura, e disponibiliza, desde 2019, a série de podcasts Amplitudes, que busca discutir sobre educação, arte e cultura com a apresentação de Pedro Costa e um convidado por episódio.


A questão é que a pandemia de coronavírus, na verdade, apenas acelerou um processo tecnológico que deveria ter se realizado muito antes. Em 2011 foi inaugurada uma plataforma do Google direcionada às experiências artísticas virtuais. A Arts & Culture, idealizada pelo diretor do Instituto Cultural do Google, Amit Sood, tem como objetivo proporcionar visitas virtuais a museus, teatros e outros pontos turísticos ao redor do mundo, sendo chamada de “museu dos museus”.


No início, o projeto possuía parceria com 17 museus. Hoje, a plataforma tem um total de 2000 museus de diversos países. São 54 os conteúdos instalados no Brasil que podem ser visitados virtualmente no acesso do Arts & Culture. Em uma palestra para o TED Talk, Amit Sood mostra ao público todas as ferramentas que o site oferece, garantindo a eficácia da invenção da plataforma, uma vez que utilizou-se da tecnologia não só para garantir o acesso à arte, mas também possibilitando ações e interações que não poderiam ser realizadas na visita física, como ampliar obras de arte em imagens de bilhões de pixels, sendo possível notar detalhes da obra praticamente impossíveis de serem vistos à olho nu.

Os ceifadores (1565), de Pieter Bruegel no MET, Nova York. (Imagem: Reprodução/Google Arts&Culture)


Os ceifadores, ampliado com gigapixels. (Imagem: Reprodução/Google Arts&Culture)


Antes do isolamento social, a tecnologia também estava chamando bastante atenção do público para exposições imersivas em São Paulo. O MIS Experience, localizado no bairro da Água Branca, foi inaugurado com a exposição “Leonardo da Vinci — 500 anos de um gênio” no final de 2019 e recebeu cerca de 64 mil pessoas até o fim de sua exibição, em março deste ano. A mostra foi composta por 18 áreas temáticas com experiências multissensoriais e animações gráficas em alta definição, além de narrativas em áudio e outros recursos de multimídia.

Foto da exposição Leonardo da Vinci — 500 anos de um gênio no MIS Experience, São Paulo. (Imagem: Divulgação)


Mesmo que as visitas físicas aos museus permaneçam como a primeira opção de contato com a arte, não se pode ignorar o fato de que a tecnologia possui inúmeras ferramentas capazes de unir cada vez mais o contato à distância, levando-se em consideração o crescente desenvolvimento tecnológico que vem se destacando há, no mínimo, uma década. É crucial, portanto, percebermos os grandes impactos que a tecnologia vem proporcionando quando se trata da maneira como interagimos com a arte e nos adaptarmos à essas mudanças, uma vez se torna cada vez mais interessante e comum o uso desses mecanismos nas exposições e museus.


Segundo Luise Malmaceda, curadora do Instituto Tomie Ohtake, o museu tem a função fazer do passado o presente e deve fazer isso “respondendo às urgências das sociedade, compreendendo seu papel na contemporaneidade, respondendo aos conflitos que vivemos e entendendo seu público”. Devido à essas questões que as exposições não deveriam continuar a ser limitadas às famosas placas dizendo “não encostar nas obras de arte”. Não há mais espaço para esse tipo de contato tão distante em um mundo onde existe óculos de realidade virtual e música 3D. Muito pelo contrário — cada vez mais, o público irá demandar uma interação mais intensa e verdadeira com a arte, como vimos nas exposições do MIS Experience.


De fato, a nossa tecnologia ainda não é tão poderosa a ponto de conseguir proporcionar o experiências físico-afetivas àqueles que exploram os museus virtualmente. Luise Malmaceda diz que “ao mesmo tempo que vemos potencial no uso da tecnologia — que muitas vezes foi negligenciado por museus e instituições culturais — a gente também se depara com os limites dessas tecnologias e vemos que, além de serem um pouco cansativas, elas também não dão conta de obras que realmente exigem uma experiência física e corporal”.


Além disso, vemos que ela não comporta determinados fatores que também são importantes: o afeto. Maria Fernanda Lassalvia, que está tocando seu projeto remotamente, diz que o maior problema de realizar seu trabalho durante o distanciamento social é transmitir o mesmo carinho às crianças que era transmitido presencialmente. “De um dia para o outro nossas aulas, que eram presenciais, foram canceladas e tivemos que nos reinventar e começar a dar aulas online. Um desafio bem grande, pois acreditamos que o afeto é super importante no processo”.


Inevitavelmente, acaba sendo muito mais impactante visitar um museu ou local histórico fisicamente do que pela tela do computador. “As artes visuais demandam contato direto com as obras; esse fato não foi alterado anteriormente, por exemplo, com a disseminação de fotografias de obras de arte em redes sociais, que poderiam facilmente ter suprimido essa necessidade”, diz Felipe Chaimovich.


“As pessoas têm sede de experimentar as coisas ao vivo” — Luiza Adas

Diante disso, após a quarentena, é provável que as exposições e museus sejam ainda mais valorizados e frequentados. Porém, é de suma importância que os administradores e curadores tenham em mente o fato de que a tecnologia possui um papel quase que indispensável na sociedade contemporânea. É importante que reconheçam a necessidade de seu uso como uma ferramenta básica para a maior captação de público e também para o maior envolvimento entre arte e indivíduo, proporcionando ao espectador uma experiência muito mais imersiva, participativa e interessante.


Do contrário, é muito mais viável que, futuramente, as pessoas passem a optar por visitar museus virtualmente, já que é garantida uma série de oportunidades gratuitas e interativas com apenas alguns cliques. Instituições culturais extremamente importantes do mundo todo estão na internet. Ficou claro que o acesso à arte não está vinculado necessariamente ao contato físico com um museu. É capaz que comecem a questionar a verdadeira utilidade de viajar até determinado local, enfrentar filas e multidões ou pagar o preço de um ingresso. A partir de agora, os museus devem procurar oferecer motivos mais cativantes para a visitação presencial de seu acervo — visualizar uma obra de arte, com a tecnologia que temos hoje, pode facilmente ser feito no sofá da própria casa.

Algumas obras de arte publicadas no Instagram do Museu do Isolamento. (Imagem: Reprodução/Instagram)



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