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Exposições imersivas: a democracia artística do shopping center

Talvez você já tenha se deparado com ao menos um anúncio de uma dessas exposições. Elas vêm ganhando cada vez mais popularidade, principalmente após a explosão da Beyond Van Gogh, exposição que tem viajado o mundo com obras do pintor Vincent Van Gogh (1853-1890) e se colocado como uma “viagem sensorial extraordinária”. As chamadas exposições imersivas são aquelas que buscam utilizar todo o espaço para alocar a projeção de uma obra de arte, levando o espectador a se enxergar como parte dessa obra. Para seus realizadores, essas exposições são tidas como um espaço de democratização da obra de arte ao trazer réplicas de artistas canonizados para pessoas que, supostamente, nunca teriam acesso à obra original.

Exposição Beyond Van Gogh. (Imagem: Rodrigo Gaya Villar/Gayaman Visual Studio)


A cidade de São Paulo tem sido palco da maior parte dessas exposições. Das que mais se popularizaram ao longo de 2022 e 2023, é possível citar a já mencionada Beyond Van Gogh, mas também a Imagine Picasso, ambas sediadas no Morumbi Shopping; Renoir, a Beleza da Vida no Shopping Pátio Paulista; Frida Kahlo – A Vida de um Ícone e The Art of Banksy: Without Limits, no Shopping Eldorado; e Monet à Beira D’Água, no Parque Villa Lobos.


Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Rafael Reisman, CEO da Blast Entertainment, responsável por trazer a Beyond Van Gogh para o Brasil, afirmou: “Estamos democratizando o acesso à arte” O argumento é de que ao trazer as obras do artista para essas exposições, o público, que de outra forma “nunca” teria acesso às obras do artista, receberia a chance de as conhecer.


À exceção de Banksy, há obras de todos os artistas mencionados (Van Gogh, Picasso, Renoir, Frida Kahlo e Monet) no acervo do Museu de arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), na Avenida Paulista, que possui entrada gratuita às terças-feiras e na primeira quinta-feira do mês. E mesmo nos dias em que a entrada é paga, um ingresso de entrada inteira não custa mais de R$ 60,00. Ainda que o Masp não seja o maior exemplo de espaço artístico acessível em São Paulo, pois ainda pode exigir custo, é possível afirmar que a acessibilidade não é o que diferencia as exposições imersivas daquelas realizadas em museus e outros equipamentos culturais.


De acordo com o Sistema Estadual de Museus de São Paulo (Sisem-SP), somente a capital possui 65 museus cadastrados em sua plataforma. A maior parte desses museus possui pelo menos um dia de entrada gratuita, mas essa informação ainda não é amplamente divulgada para quem não acessa as redes sociais dessas instituições, não atingindo todas as pessoas. Talvez a raiz do problema da acessibilidade se encontre aqui.


É preciso questionar o quão acessíveis (e imersivas) são de fato essas exposições como Beyond Van Gogh entre outras que chegaram no país. De acordo com o Cadastro Único (CadÚnico), entre março de 2022 e março de 2023 houve um crescimento de 18% no número de famílias em situação de extrema pobreza na cidade de São Paulo; e uma família é considerada em extrema pobreza quando a renda per capita mensal dos integrantes de cada família é de até R$109,00. O custo do ingresso para as exposições imersivas costuma custar uma média de R$100,00 por visitante e, se não todas, a grande maioria das exposições imersivas é realizada em shopping centers localizados em bairros nobres. O quão acessíveis são exposições cujo ingresso possui valores tão altos e o acesso se dá em centros comerciais de bairros como Morumbi, Bela Vista e Pinheiros?


O único dos artistas citados que está vivo é Banksy, conhecido por seu ativismo político anticapitalista, tendo declarado não acreditar em direitos autorais – detalhe que vem sendo utilizado como argumento de defesa para as exposições imersivas de suas obras. Essa defesa parece ignorar todo o restante do manifesto realizado pelo artista. Em seu site oficial, na aba “licenciamento”, Banksy declara:

“Você é uma empresa que deseja licenciar a arte de Banksy para uso comercial? Então você veio ao lugar certo - você não pode. Somente o Pest Control Office tem permissão para usar ou licenciar minha arte. Se outra pessoa lhe concedeu permissão, você não tem permissão. Escrevi 'direitos autorais são para perdedores' em meu livro (com direitos autorais) e ainda encorajo qualquer pessoa a pegar e alterar minha arte para seu próprio divertimento pessoal, mas não para fins lucrativos ou para parecer que endossei algo quando não o fiz. Obrigado” – Banksy

Sale Ends Today, obra de Banksy que assemelha o consumismo contemporâneo ao zelo da devoção religiosa. (Imagem: Banksy/Pest Control)



E QUANTO A FRUIÇÃO DAS OBRAS DE ARTE?

Exposições imersivas como a Beyond Van Gogh trazem reproduções de obras realizadas em contextos e a partir de propósitos específicos, não explorados nessas exposições, que não se pretendem espaços educativos, mas de entretenimento e espetáculo. Como descreve o jornalista Bruno Yutaka Saito (repórter da matéria “Van Gogh e Portinari: exposição imersiva é farsa ou espetáculo?” para o Valor Econômico), essas exposições “dedicam generoso espaço para o didatismo, com textos biográficos e curatoriais em displays digitais (e não o tradicional e estático texto de parede)”.


Contudo, se as obras de arte originais seriam de difícil entendimento para o público, pois a única fonte de informações e provocações sobre elas são textos em uma parede, transferi-los para um suporte digital não resolve o problema; necessário seria difundir conhecimentos e provocar reflexões por meio de outras estratégias educativas e integrativas. Se uma obra parece distante, se seu significado não é óbvio só de olhar, ampliá-la não resolve o problema, mas aumenta a confusão entre deslumbramento e entendimento de uma obra.


Estar diante de uma obra nunca é uma atividade passiva. Contudo, quando a expografia não busca provocar indagações sobre o que está por trás dessa obra, essa se esgota no sensorial. Uma obra de arte é mais do que a beleza ou espanto provocado em uma primeira olhada. É comum que as pessoas não tenham interesse em ir a um museu por sentirem que não entendem as obras, por imaginarem que há algo inacessível nelas; por não possuírem algum conhecimento ou habilidade, o que pode ser verdade e de fato tornar o museu um espaço elitista se ele não busca preencher essas lacunas. Daí se dá a importância do trabalho educativo dos museus.


O corpo educativo das instituições é quem busca fazer aproximações entre a obra e o público; seja por meio da divulgação e do desenvolvimento dos “estáticos” textos de parede, seja pela organização do espaço expositivo que pode ser pensada para “imergir” o público, mas também por meio de visitas guiadas, atividades direcionadas para públicos específicos, palestras e mesas de conversa - ou o que mais o educativo desejar e puder criar, de modo a promover reflexão sobre as obras expostas. A arte nunca pertence somente ao artista, mas ao contexto social, político e cultural do período em que foi criada e do período em que o espectador a frui. É imprescindível a existência de uma mediação artística que considere os diálogos feitos de um tempo com o outro, explorando não só o significado de uma obra para seu artista, como também o impacto que ela teve ou pode ter na sociedade. As interrogações que uma exposição pode suscitar são vastas.


Um exemplo de exposição imersiva com projeto educativo e que se propõe acessível ao público é a FAVELA-RAIZ, no Museu das Favelas. No site oficial do Museu, você descobre que a exposição possui entrada gratuita e a possibilidade de agendamento de uma visita guiada. Na FAVELA-RAIZ você encontra uma instalação audiovisual sensorial que “propõe o despertar de memórias afetivas a partir de imagens e de toda a pulsação de vida que existe nas favelas”.

Exposição FAVELA-RAIZ. (Imagem: Divulgação/Museu das Favelas)


O Museu das Favelas está situado no Palácio Campos Elíseos, prédio tombado pelo patrimônio histórico e, por isso, que não permite a fixação de quadros na parede., Por limitações da própria estrutura do prédio, o corpo curatorial e educativo do museu fez uso de recursos tecnológicos para dividir histórias e artes das favelas; sem pretender contar uma narrativa única, mas abrir caminhos coletivos. É um caso no qual a tecnologia se tornou aliada de uma exposição com um fim legitimamente educativo, artístico e crítico. O Museu das Favelas, inaugurado no final do ano de 2022, ainda está em construção, mas o acervo que possui até agora, ainda que reduzido, dialoga com o lugar em que foi construído, a memória e herança daqueles que o museu busca homenagear, e o tempo presente.


Infelizmente, muitas vezes por falta de recursos financeiros, a maior parte das instituições peca nas atividades educativas que oferece e as obras de arte permanecem em estado de distanciamento. Não faz sentido, contudo, que a solução esteja nas exposições imersivas, que continuam não educando as pessoas para a arte, não provocando a reflexão crítica e fazendo com que a arte se torne cada vez mais distante de pertencer ao povo.


Serviço

FAVELA-RAIZ

Museu das Favelas - Palácio dos Campos Elíseos

Rua Guaianases, nº 1024 – Campos Elíseos. São Paulo, SP

Terça à Domingo, das 09 às 17h (permanência até as 18h)

Entrada gratuita

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